Diário de Aprendizagem – Currículo e categorias da prática educativa
- Palma Castro
- 8 de abr. de 2020
- 5 min de leitura
Reflexão e recordações, essas são as duas palavra que definem meus sentimentos em relação os estudos realizados por meio dos textos de Sacristán (Currículo- Saberes e Incertezas) e Zabala (Práticas Educativas), propostos pela disciplina de Práticas Educativas. Refletir sobre o currículo e as categorias da prática educativa permitiu-me revisitar o passado e reencontrar com fatos que marcaram a minha trajetória profissional (saudades da minha turminha do 5ºano).
Mas como elaborar um diário de aprendizagem? Seria como escrever aquele diário de bordo, que até hoje, nos cursos de formação, os professores pedem para registrar o que aconteceu na aula? Não. Definitivamente o diário reflexivo é mais amplo, profundo. Deparei-me com dois desafios: aprender o que é um diário de aprendizagem (neste caso, o texto de Laurinda Ramalho Almeida, me ajudou muito) e escrever. Sim, escrever é algo que me desafia, incomoda.
Sempre que o tema de estudo é currículo, me lembro da música do Gabriel Pensador (Estudo errado). O artista aborda questões que nos fazem refletir sobre a funcionalidade da escola e do currículo. O texto de Sacristán, no entanto, ampliou a minha compreensão sobre os aspectos relacionados à potencialidade reguladora do currículo. Quando o autor aponta o currículo como um instrumento que, ao mesmo tempo em que une, reforça fronteiras, lembrei-me de duas questões que em minha opinião confirmam esse movimento contraditório: BNCC (organiza segmentos/unifica o ensinar) e a última reforma do ensino médio no Brasil (amplia o abismo entre os estudantes da classe dominante e da classe trabalhadora).
Quando o currículo define o regramento sobre a variedade dos alunos e os divide em classes, reforça a divisão social do trabalho. A dualidade educacional fica ainda mais evidente quando percebemos que o ensino propedêutico (pensar) é pensado para as elites e o ensino profissional (fazer) para os filhos dos trabalhadores.
O currículo determina o que pode e o que não pode aprender, regula a prática didática, o método, os professores, os alunos, o tempo e o processo de ensino e aprendizagem, define conteúdos e objetivos educacionais Sendo assim, não seria imprescindível perguntar: quem pensa e escreve o currículo? Quais ideologias ele carrega? Como o currículo modela a cultura e o conhecimento?
O currículo não é neutro, há nele, intrinsecamente, uma intencionalidade, ações pensadas por agentes políticos e por ações pedagógicas e curriculares, com interesses próprios e que vão possibilitar a sua materialização. As decisões sobre o currículo têm sido patrimônio de instâncias administrativas que controlam o sistema de ensino. No entanto, considerando a intima ligação entre prática educativa e currículo, a reflexão em torno dos conteúdos que compõem esse currículo deveria ser exercício permanente dos professores.
Existe uma tendência em colocar no currículo a possibilidade de reformas qualitativas na educação. Porém, cabe ressaltar que pouco adiantará fazer reformas curriculares se estas não forem ligadas à formação de professores, pois em muitas situações a participação dos professores nestas reformas é dificultada pela carência de capacitação técnico-pedagógica e cultural, suficiente e adequada para exercer essa competência.
Trabalho na Secretaria de Educação do DF desde 1995. Percebo que, sempre que muda o governo, surge um movimento no sentido de criar ou alterar questões relacionadas ao currículo. Em 2014, a SEE-DF mobilizou a comunidade escolar para debater e construir o novo currículo do DF (Currículo em Movimento) Na ocasião tive a oportunidade de participar das plenárias para a elaboração do currículo referente aos Anos Inicias. Confesso que fiquei impressionada com a pouquíssima participação dos professores durante os vários encontros que ocorreram. Os professores que estiveram presentes nas plenárias, não tinham muita noção do que poderiam propor para a composição do currículo. Isso me fez pensar na necessidade de ampliar e melhorar os cursos de formação continuada voltados para a discussão sobre o currículo e, mais do que isso, conscientizar esse docente sobre a importância dele, na elaboração deste currículo que irá guiar a sua prática.
Infelizmente, alguns professores acomodam e, sem questionar, conduzem seu planejamento, de acordo com os conteúdos determinados pelos agentes externos da administração. O professor se dá por satisfeito quando lhe é oferecido um currículo onde os conteúdos já estão organizados, com certa sequência, separados de acordo com o grau/período e acompanhados de propostas de atividades. É necessário que, em sua prática educativa, o professor pense na adequação dos conteúdos de acordo com a experiência, cultura, interesses e possibilidades do aprendiz, caso contrário, o fracasso escolar será uma consequência inevitável.
Quando Sacristán aponta o currículo também como responsável pela regulação do tempo de escolaridade, pensei nas discussões que ocorreram no âmbito da SEE-DF, sobre a implantação do ensino fundamental de nove anos. A comunidade escolar, especialmente os professores, não apoiavam a implantação dos ciclos e os pais não conseguiam compreender porque acabar com seriação.
Se pensarmos na escola ou no currículo, como uma escada, que favorece a ascensão social do aprendiz, podemos inferir que o sucesso e o fracasso escolar, também são consequências do poder regulador do currículo. Os repetentes e os reprovados até tentam, mas não conseguem chegar até o topo da escada, logo, a evasão é algo quase que inevitável.
Quando se trata da relação entre currículo e prática pedagógica, no quadro apresentado por Sacristán (Dimensões estruturais do currículo/Elementos e aspectos estruturados ou afetados) dois tópicos chamam a minha atenção:
· Tempo de aprender: os alunos têm ritmos de aprendizagem diferentes, aprendem em tempos diferentes, mas os professores querem que a turma toda aprenda ao mesmo tempo, todo mundo junto.
· Saberes valorizados: estamos preparados para valorizar os saberes trazidos pelas crianças indígenas e das comunidades ciganas? Anos atrás recebi na minha turma três crianças que viviam no circo, ficaram conosco só um mês, mas a riqueza das experiências e habilidades que aquelas crianças, trouxeram para nossa escola foi inesquecível.
O currículo sofre uma série de processos de transformação dentro das atividades práticas. Quando trabalhei na coordenação pedagógica de uma escola classe, percebi que de fato, existe uma distância entre o currículo oficial e o currículo real. Ousei transportar as ideias de Sacristán sobre concepção do currículo como processo e práxis, para aquilo que considero ser a realidade dentro da escola (figura 1.4).

1- Currículo oficial.
2- Currículo é discutido durante a coordenação pedagógica coletiva e modificado de acordo com a interpretação dos professores.
3- Currículo real: atividades que o regente desenvolve dentro da sala de aula.
4- Efeitos reais da educação: expresso pela subjetividade dos aprendizes.
5- Avaliações: rendimento escolar (êxito ou fracasso).
Identifiquei a Educação Profissional e Tecnológica no texto de Sacristán, quando esse afirma que, o sistema de ensino articula o currículo, de modo que possa atender ao mercado de trabalho. Ou seja, o sistema laboral pressiona a educação para a formação de mão de obra especializada.
Os textos de Sacristán e Zabala apontam para o mesmo caminho, ou seja, a necessidade de uma reflexão crítica sobre os processos dos quais o currículo se transforma em prática pedagógica contextualizada. Suas ideias confirmam a relação de dependência e interdependência entre currículo, planejamento, ação pedagógica, sequências de conteúdo e unidades didáticas.
Unidades didáticas se configuram como instrumento atrativo para professores e alunos. Sua adoção é vantajosa para qualquer nível de ensino, pois contribuem para tornar clara a estrutura dos conteúdos, os critérios para sua seleção, abordar o desenvolvimento de atitudes e habilidades complexas e colocar uma linha de progressão.
Os quatro exemplos de unidades didáticas, apresentados por Zabala, me ajudaram a entender que é possível distribuir o currículo em unidades com sentido em si mesmas e que possam ser acrescentadas a outras, de acordo com os objetivos/intenções educacionais. Para cada exemplo de unidade didática, reportei meu pensamento para os anos que lecionei nas séries iniciais, quando o planejamento das atividades também seguia uma sequência. No entanto, nesta época ainda estávamos caminhando para compreender a concepção construtivista e, apesar de não utilizar a nomenclatura de conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, já lecionávamos nesta perspectiva.
Conhecer o currículo da Educação Profissional Tecnológica e pensar em uma sequência didática para este público será meu próximo desafio, pois de fato são questões que eu ainda não domino.
Ao término deste diário, destaco um trecho do texto de Sacristán, que eu já tinha ouvido anteriormente, mas que só agora compreendi o sentido. O currículo é um campo de batalhas que reflete outras lutas: coorporativas, políticas, econômicas, religiosas, de identidade, culturais, etc (APLLE, 1986, 1989,1996).
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